Ter uma posição de poder não é apenas uma consequência de se ter dinheiro. Nem tudo na vida depende de dinheiro. No passado, por exemplo, o senhor feudal tinha o direito de julgar as pessoas que residiam em suas terras e de escolher os magistrados municipais. Ele tinha, portanto, poderes políticos.
Os camponeses mantinham o produto de suas terras para vendê-lo em feiras |
Nessas mesmas terras, ele recebia uma quantidade insignificante de dinheiro proveniente do sistema de enfiteuse, um contrato de aluguel de longo prazo, que já estudamos. A maior parte dos produtos agrícolas e pecuários destinava-se aos camponeses que trabalhavam nessas terras e produziam esses bens. Se o poder viesse apenas da riqueza, o senhor feudal não teria poder, porque ele não recebia grandes quantias de dinheiro.
O poder deve ser considerado uma honra. Ser homem é uma honra; ter poder sobre outros homens é ainda mais honroso. De certa forma, aumenta a dignidade de quem comanda. É mais honroso ser um oficial militar do que um soldado, porque o oficial comanda o soldado. Seria totalmente impreciso dizer que o oficial comanda o soldado porque ele recebe um salário maior. Isso não é verdade. A verdade é o oposto: ele recebe um salário mais alto porque comanda.
A verdadeira liderança vem do serviço prestado à comunidade
Poder ou comando é metafisicamente um bem. Normalmente, resulta de um ótimo serviço prestado à comunidade. No passado, três ou quatro famílias em um país representavam a glória daquele país, dando a ele grandes santos, generais, artistas e homens de bom gosto que ajudaram o país a adquirir um tônus civilizado. Se esse país se tornar independente, o futuro rei seria normalmente escolhido dentre uma dessas famílias. É o serviço prestado que dá origem à liderança, e a liderança normalmente se funde com a realeza.
O casal Charles d'Arenberg e Anne de Croÿ, de duas das casas antigas da nobreza Belga |
Nessas condições, a liderança ou a realeza é considerada um bem em si e não um fruto de uma determinada situação econômica. Uma norma como essa estaria errada e indigna: “Quem tem mais dinheiro em um país, desde que seja o mais rico, é o rei.” A natureza humana seria insultada por essa norma, porque a sociedade humana não é uma empresa comercial.
Quando a Bélgica se tornou independente no século 19 e se retirou do domínio austríaco e holandês, ela constituiu um reino. As regiões independentes que constituíam a Bélgica tinham grandes famílias que eram iguais à maioria das famílias reais da Europa: nomes como Arenberg, Ligne, Merode, Croÿ, Ursel, Caraman-Chimay etc. Creio ter sido um erro a escolha da dinastia real Saxe-Coburg-Gotha para governar a Bélgica, uma casa muito pequena de um principado secundário na Alemanha. Foi uma escolha injustificada. Uma das grandes famílias belgas que fez a história do país tinha o direito de ser escolhida para ser a dinastia real.
Acredito que essa foi uma manobra revolucionária para impedir a Bélgica de ter uma monarquia orgânica fortemente ligada ao seu passado. Essa escolha criou uma monarquia artificial e instável que é muito mais vulnerável às más influências da Revolução.
Como nasce o líder em uma nova situação
Quando uma sociedade está surgindo e se desenvolvendo, é como um organismo onde diferentes órgãos crescem.
Quando o Império de Carlos Magno caiu, sua administração imperial chegou ao fim. Os monarcas que sucederam a Carlos Magno não eram capazes de manter o governo centralizado que ele havia estabelecido e mantido. Hordas de normandos e vikings invadiram todo o Império. Os fracos sucessores de Carlos Magno não podiam apoiar aquelas terras atacadas. Além disso, esses invasores, principalmente os vikings, eram muito mais numerosos.
Vikings invadiram o Império Franco em grande número |
Tendo o poder central se desintegrado, o que restou foram aqueles que possuíam terras nessas regiões. Eles construíram fortificações para se protegerem e a seus trabalhadores e, naturalmente, se tornaram os comandantes quando foram atacados. Esses proprietários, então, passaram a exercer o papel de governadores. Esse sistema se estabeleceu organicamente em quase todos os lugares e, quando as invasões terminaram, o feudalismo havia sido implantado em toda a Europa.
Isso ocorreu por meio do princípio orgânico de que, quando surge a necessidade de uma posição superior, o candidato natural a exercer seu poder é o homem que estivera mais próximo dessa função. O homem não chega à posição de poder por causa da riqueza. A riqueza também é um fator, mas há um princípio muito mais profundo em jogo aqui do que riqueza.
Qualquer um que considere o fator econômico como o principal motor das coisas não entende que o que influenciou a sociedade na Idade Média foi, antes de tudo, a ideia de honra, em grande parte nascida da Cavalaria.
Essa nobre ideia de honra como base de tudo foi fortemente atacada pela Revolução Industrial, que pretendia substituir essa aspiração da sociedade pelo interesse do dinheiro. Hoje essa mentalidade prevaleceu em quase todos os lugares. É por isso que devemos contra-atacá-lo para restaurar a civilização católica.
Postado em 24 de fevereiro de 2020
| Prof. Plinio |
Sociedade Orgânica foi um tema caro ao falecido Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Ele abordou este tema em inúmeras ocasiões durante a sua vida - às vezes em palestras para a formação de seus discípulos, às vezes em reuniões com amigos que se reuniram para estudar os aspectos sociais e história da cristandade, às vezes apenas de passagem.
Atila S. Guimarães selecionou trechos dessas palestras e conversas a partir das transcrições das fitas e de suas anotações pessoais. Ele traduziu e adaptou-os em artigos para o site da TIA. Nestes textos, a fidelidade às idéias e palavras originais é mantida o máximo possível.
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