Seleção Biográfica:
O Bem-aventurado Sebastião Valfré nasceu em Verduno, Alba, Itália, em 1629, e morreu em Turim, em 1710. Foi Oratoriano e grande apóstolo da caridade, virtude que o caracterizou por toda a vida. Tornou-se famoso por sua santidade, amor pelas ciências e enorme correspondência com Bispos, padres e grandes personalidades das cortes de seu tempo.
Mesmo em meio a todas as suas funções, ele deixou obras úteis como Curta Instrução às Pessoas Simples, que teve um grande sucesso, Exercícios Cristãos, e Meio de Santificar a Guerra, escrito para os militares. Ele era particularmente devoto de Nossa Senhora e costumava iniciar seus cursos ensinando sobre sua Imaculada Conceição. Em suas aulas de religião, ele costumava passar seis meses ensinando as palavras da Ave Maria. Ele costumava recomendar a convocação do Anjo da Guarda em todas as necessidades da vida. Sua terceira grande devoção foi pelas almas do Purgatório.
Comentários do Prof. Plinio:
A dificuldade em comentar essa biografia encontra-se no fato de que ela contém os grandes traços do sacerdote santo desse período. Ora, como houve muitos sacerdotes santos nessa época, acontece que esses traços todos mais ou menos já estão estudados. Contudo, há alguns pequenos esclarecimentos que podem ser dados.
A Idade Média produziu grandes obras sobre o conjunto do conhecimento. Acima, Cardeal Hugues da Provença
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Há, no entanto, um ponto especial que distingue o Bem-aventurado Valfré dos demais, que é sua grande correspondência escrita. Para entender o que isso significa, é preciso considerar que ele viveu na época de Luís XIV, ou seja, no ápice do Ancien Regime. Naquela época, as formas de comunicar ideias eram bem diferentes das que temos hoje. Eles já prefiguravam os métodos de hoje, mas eram diferentes.
Em que sentido eles prefiguram a comunicação moderna? Uma coisa curiosa na história das invenções e sua relação com a vida social é que se descobre que as tendências dos homens geralmente já estão se movendo em direção a uma nova invenção antes de seu aparecimento real.
Quando se analisa os livros da Idade Média, encontra coleções de longas obras escritas em pergaminho que tratam de questões intelectuais muito sérias sobre o conjunto do conhecimento humano. Era a época das Sumas – da teologia, da filosofia, da ciência, etc. Ou seja, os homens buscavam descobrir os grandes planos de Deus para o universo, a fim de amá-lo e tornar a terra semelhante ao Céu.
Quando a Prensa móvel foi descoberta por Guttenberg, ela gerou livros menores. O assunto tornou-se mais leve e os grandes conjuntos de temas sérios desapareceram. O espírito humano perdeu aquela unidade medieval e se fragmentou, produzindo monografias sobre diversos assuntos. A compilação universal deu lugar a livros e ensaios especializados.
Mais um degrau nessa escada foi dado na época de Luís XIV, que foi a época de Madame de Sevigné, famosa por sua correspondência. Naquela época, as letras adquiriram uma importância paralela aos livros. Com as estradas mais seguras e o correio mais confiável, a troca de cartas tornou-se mais frequente. Com isso, a carta, mais leve que o livro, passou a caracterizar um novo método de veicular ideias.
Havia dois tipos de cartas: as doutrinárias e as que comunicavam notícias. As doutrinárias eram bastante longas. Cartas famosas foram escritas por várias grandes personalidades, como o infame Erasmo de Rotterdam, que viveu antes do Bem-aventurado Sebastião Valfré, e o ainda mais infame Voltaire, que viveu pouco tempo depois. Eles aproveitaram as cartas para divulgar suas ideias revolucionárias e analisar as coisas segundo seus maus critérios. Tornou-se uma forma comum de comunicação entre homens renomados por sua cultura, talento, nobreza ou posição política ou religiosa.
Uma carta é lida no famoso salão de Madame Geoffrin na época do Rei Luís XV
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Essas cartas eram frequentemente copiadas e reproduzidas. Vamos imaginar uma pessoa que estaria se correspondendo com Erasmo ou Voltaire. Após troca de várias cartas, não era incomum que imprimisse a coleção e fizesse circular a obra entre os amigos para mostrar que conhecia tal celebridade. Então, ele publicaria uma cartilha, uma espécie de ensaio sobre esse ou aquele assunto. Esse tipo de publicação pequena era muito popular na época. Se por acaso fossem cartas de dois homens famosos, o livreto seria particularmente apreciado entre os espíritos eruditos. Junto com essas cartas doutrinárias, cartas relatando as notícias também foram amplamente divulgadas.
Os senhores podem ver que a carta era uma prefiguração do artigo da revista e da reportagem do jornal. Antes de a revista e o jornal nascerem, o espírito humano já estava bem preparado para recebê-los. É assim que a mentalidade dos homens é preparada para uma coisa nova ou invenção. Quando a novidade realmente aparece, ela se espalha rapidamente por causa do preparo prévio; caso contrário, ele permaneceria em uma prateleira sem levantar qualquer interesse.
É belo notar que a cada novo método de comunicação, a Igreja dá origem a novas formas de talento. É por isso que a arte epistolar [escrever cartas], estagnada desde os tempos Romanos, reviveu e exerceu grande influência a partir do século 17. Nesta época, podemos encontrar muitos grandes santos que escreveram um número enorme de cartas, muitas delas muito longas.
Assim, chegamos ao nosso Bem-aventurado Sebastião Valfré, que escreveu três livros e uma infinidade de cartas a personalidades importantes nas esferas espiritual e temporal. Certamente, elas circularam e fizeram muito bem. Hoje a carta perdeu importância. Revistas e jornais tomaram seu lugar.
A Divina Providência deu origem a outros talentos no campo do jornalismo Católico. O melhor dos jornalistas Católicos do século 19 foi o contrarrevolucionário Francês Louis Veuillot. Ele teve uma visão muito rápida e clara da situação de sua época. Ele não era uma pessoa capaz de escrever uma suma. Ele escreveu alguns livros importantes, mas nunca uma suma. Ele teve uma visão mais superficial de toda a realidade e um espírito Francês leve e insolente que o tornou capaz de expressar seus pensamentos de forma curta e brilhante. Com um texto breve, ele pode elevar ou destruir uma pessoa. Ele usou esse talento particular para defender a causa Católica.
Neste processo de comunicação, podem considerar como é difícil entender os desígnios secretos da Divina Providência. É belo ver como Deus deu dons a vários homens para apresentar a mensagem Católica nas diferentes formas de obras escritas que apareceram ao longo da História. Mas também é interessante ver que Ele não deu um talento que trouxesse um retorno à grande Suma do passado. Tampouco houve grande denúncia do caráter dispersivo e fragmentário que os meios de comunicação haviam assumido. Por que não?
Parece ser um castigo para a humanidade. Deus, insatisfeito com o que acontecia dentro dela, permitiu que a casa caísse em ruínas. Ele forneceu engenheiros para erguer suportes para a casa, mas não deu engenheiros para impedir a destruição e reconstruir a casa. Por quê? Pode-se supor que os pecados da humanidade provocaram Sua ira, pecados cometidos em uma longa progressão de infidelidade que provocou uma ira correspondente.
Que pecados foram esses? Os pecados de adesão à Revolução. Os pecados de abandonar aquela que era a principal preocupação do homem medieval, que era servir a Deus acima de todas as coisas e construir uma sociedade e uma civilização que O refletissem. Assim, chegamos ao momento em que a casa parece prestes a cair completamente.
Alguém pode objetar: quem perde nisso é a Igreja. Visto que Deus ama a Igreja, por que Ele não fez nada para evitar essa humilhação para a Igreja?
A resposta é simples. Cada vez que a Igreja sofre uma derrota, não é Deus quem é derrotado, mas o homem, pois a Igreja existe para o benefício dos homens.
A derrota da Armada Espanhola foi um castigo para a Inglaterra
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Deixe-me oferecer este comentário astuto que li em algum lugar como uma metáfora para explicar essa realidade. Este historiador em particular, cujo nome não me lembro agora, estava analisando o episódio da Armada Espanhola enviada pelo Rei Filipe II em 1588 para conquistar a Inglaterra. Ele disse: Costumava-se dizer que a derrota da Invencível Armada foi um castigo para a Espanha. Talvez tenha sido em parte um castigo para a Espanha. Mas o mais castigado não foi a Espanha.
Se a Armada Espanhola tivesse tido sucesso, depois de desembarcar nas costas da Inglaterra, ela teria se juntado a grupos de Católicos Ingleses que aguardavam, que teriam deposto a Rainha Elizabeth e devolvido a nação ao Catolicismo. Portanto, visto que a Inglaterra não recebeu o grande benefício do Catolicismo, foi a Inglaterra que recebeu o maior castigo com a derrota da Armada. É uma análise sólida.
Analogamente, sempre que Deus permite que Sua Igreja - Sua Invencível Armada - seja dispersada por tempestades, derrotada e açoitada, o maior dano é para a humanidade, não para ele. Devemos tentar ver seus desígnios claramente nas punições que Ele envia.
Aqui, então, os senhores meditam sobre o talento epistolar do Bem-aventurado Sebastião Valfré.
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Prof. Plinio Corrêa de Oliveira | | A secção Santo do Dia apresenta trechos escolhidos das vidas dos santos baseada em comentários feitos pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Seguindo o exemplo de São João Bosco que costumava fazer comentários semelhantes para os meninos de seu Oratório, cada noite Prof. Plinio costumava fazer um breve comentário sobre a vida dos santos em uma reunião para os jovens para encorajá-los na prática da virtude e amor à Igreja Católica. TIA do Brasil pensa que seus leitores poderiam se beneficiar desses valiosos comentários.
Os textos das fichas bibliográficas e dos comentários vêm de notas pessoais tomadas por Atila S. Guimarães de 1964 até 1995. Uma vez que a fonte é um caderno de notas, é possível que por vezes os dados bibliográficos transcritos aqui não sigam rigorosamente o texto original lido pelo Prof. Plinio. Os comentários foram também resumidos e adaptados aos leitores do website de TIA do Brasil.
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