Seleção Biográfica:
O Imperador Carlos Magno convocou à sua corte o bom Duque Guilherme de Aquitânia (768-814), neto de Carlos Martel e um de seus paladinos e Doze Pares, considerados quase reis em seu Império. Guilherme derrotou os sarracenos em 20 campanhas. Rico, magnífico, rodeado de glória, reinou em Toulouse, honrado pelo povo, estimado pelo Imperador e amado por Deus.
Carlos Magno liderado por um abade, simbolizando sua submissão espiritual; entre eles está São Guilherme |
Quando ele chegou, o Imperador o cobriu de atenção e elogios. E, como na casa de Carlos Magno cada um se amava, todos sentiram grande alegria com a chegada daquele parente do Imperador. O Duque Guilherme, no entanto, estava angustiado de coração. Um dia, tremendo, disse ao Imperador:
“Senhor Carlos, meu pai, ouvi vosso soldado. Vós sabeis, Senhor, quanto eu vos amo e como eu vos servi. Vós sois mais querido para mim do que a vida e a luz. Estive ao vosso lado em batalhas e em todos os lugares que enfrentei perigo por vossa pessoa. Eu fiz meu corpo um escudo para vós…
“Mas agora, o tempo de batalhas passou e eu peço permissão para que de agora em diante eu possa servir ao meu Rei Eterno. Portanto, meu amigo e meu pai, permiti-me ir embora porque há muito tempo fiz um voto de deixar este mundo e me encerrar no mosteiro que construí no deserto por amor a vós.”
O bom Imperador, surpreso, moveu o corpo e ficou alguns momentos sem falar, mas por fim, soltando um grande suspiro, disse:
“Duque Guilherme, vós estais partindo meu coração ... Certamente, se vós tivésseis preferido um rei ou imperador a mim, eu consideraria isso uma injúria, e moveria o universo contra aquele Imperador porque ele teria roubado o Duque Guilherme de mim. Mas não posso evitar que vós deixeis meu exército para se tornar um soldado do Rei dos Anjos. Eu não posso fazer isto. Dou-vos minha permissão, então, para ir. Peço apenas uma coisa de vós: aceitai um presente como uma memória de minha amizade.”
Tendo dito isso, ele abraçou o Duque Guilherme pelo pescoço e chorou amargamente. Vendo o Imperador chorando, o Duque também se derreteu em lágrimas. Mas reunindo suas forças, ele disse ao Imperador:
Saint-Guilhem-le-Désert, originalmente Gellone, o mosteiro onde Guilherme fundou em 804 e entrou em 806. |
“Vossa Alteza deve parar de chorar, assim como este vosso servo. Se eu tivesse previsto essas lágrimas, confesso que teria fugido sem nem mesmo cumprimentá-lo. Agora, meu Senhor, para o bem maior de nós dois, enviai-me ao nosso Senhor comum, não com tristeza, mas com alegria cristã. Quanto aos tesouros que me ofereceis, vos agradeço, mas desejo abraçar a pobreza de Nosso Senhor Jesus Cristo, e se decidi deixar tudo o que me pertenceu, como poderei levar o que é vosso?
“Porém, se vós realmente desejais oferecer a Deus algo em minha pessoa, então eu vos peço uma parte da Santa Cruz que vós recebestes em Jerusalém naquele dia em que eu vos acompanhei.”
E o bom Imperador Carlos, embora fosse muito apegado àquela preciosa relíquia, imediatamente a deu ao bom Duque Guilherme como um penhor de sua amizade perpétua, mais duradoura que a vida e mais forte que a morte.
O Duque Guilherme ingressou no mosteiro no ano 806. Já um humilde monge, o Duque, montado num burro e vestido apenas com uma túnica simples, levava comida aos trabalhadores dos campos do Mosteiro de Gellone, que fundara em 804.
Ele foi canonizado em 1066 e hoje é conhecido como São Guilherme de Gellone ou São Guilherme da Aquitânia (Louis Veuillot, Les Parfuns de Rome).
Comentários do Prof. Plinio:
Sugiro que examinemos este magnífico trecho em partes para aproveitar seus detalhes.
O Imperador Carlos Magno convocou à sua corte o bom Duque Guilherme de Aquitânia, neto de Carlos Martel e um de seus paladinos e Doze Pares, considerados quase reis em seu Império. Guilherme derrotou os sarracenos em 20 campanhas. Rico, magnífico, rodeado de glória, reinou em Toulouse, honrado pelo povo, estimado pelo Imperador e amado por Deus.
São Guilherme, com um capacete, armadura e hábito de monge, esmagando a cabeça do diabo |
O Duque Guilherme reinou em Toulouse, que sempre foi uma grande cidade francesa situada em uma área rica e importante. Quais foram as circunstâncias de seu reinado em Toulouse? Ele foi homenageado pelo povo; não era a popularidade vulgar da maioria dos políticos de hoje, de quem as pessoas zombam e fazem piadas. Ele foi homenageado, ou seja, tratado com veneração e respeito pelo povo.
Por isso foi homenageado pelo povo, estimado pelo Imperador e amado por Deus. Esta é uma situação perfeita: respeitado pelo povo, estimado pelo Imperador e amado por Deus. É uma glória completa; não há nada para acrescentar.
“Senhor Carlos, meu pai, ouvi o vosso soldado. Vós sabeis, Senhor, o quanto eu vos amo e como eu vos servi. Vós sois mais querido para mim do que a vida e a luz. Estive ao vosso lado em batalhas e em todos os lugares que enfrentei perigo por vossa pessoa. Eu fiz meu corpo um escudo para vós…”
Ele era, creio eu, primo de Carlos Magno e usa a expressão Senhor Carlos, meu pai. É muito bonito ver essa simplicidade junto de tanta grandeza. O título de Senhor quando dirigido a Carlos Magno assume uma elevação extraordinária, porque ele era o Imperador, Senhor dos senhores, Senhor temporal por excelência.
Por outro lado, é notável como o Duque Guilherme fala tão afetuosamente – Senhor Carlos, meu pai, ouvi vosso soldado. Nada é mais belo quando faz o apelo dele, ao dizer que lutou por ele, arriscando a vida por ele: “Lembro-vos agora de todos os perigos que sofri por vós. Ouvi-me em nome de todos os sofrimentos que suportei por vós”. É muito bonito e muito equilibrado.
“Vós sois mais querido para mim do que a vida e a luz.” Por que é mais apropriado dizer isso do que simplesmente: Vós sois mais querido para mim do que a vida? Acredito que seja porque dá a ideia de que a vida que ele viveu perto de Carlos Magno foi uma vida luminosa, cheia da clareza da virtude e dos valores espirituais.
“Estive ao vosso lado nas batalhas e em todo lugar enfrentei o perigo por vossa pessoa. Eu fiz meu corpo um escudo para vós.” Aqui, São Guilherme apresenta seu caso a Carlos Magno, argumentando com a eloquência de um grande advogado. Ele sabia como apresentar seu caso soberbamente.
“Mas agora, o tempo de batalhas passou e eu peço permissão para que de agora em diante eu possa servir ao meu Rei Eterno. Portanto, meu amigo e meu pai, permiti-me ir embora porque há muito tempo fiz um voto de deixar este mundo e me encerrar no mosteiro que construí no deserto por amor a vós.”
Parece que ele construiu o Mosteiro de Gellone para os monges rezarem por Carlos Magno. Depois de ter dedicado sua vida a Carlos Magno, vai dedicá-la a Deus no Mosteiro que construiu por fidelidade ao Imperador. Vejam que toda a descrição está repleta de sentimentos nobres que praticamente desapareceram hoje. É algo que desapareceu.
O bom Imperador, surpreso, moveu o corpo e ficou alguns momentos sem falar, mas por fim, soltando um grande suspiro, disse:
Carlos Magno estava sem voz, pois iria perder um de seus melhores generais. Então, ele deu sua resposta. Podemos imaginar sua voz repleta de muitas inflexões, como um órgão quando está tocando em pleno tom.
Ele é o herói da Chanson de Guillaume, uma das primeiras chanson de geste, e de várias sequências posteriores |
“Duque Guilherme, você está partindo meu coração…” Após o discurso solene do Duque, Carlos Magno começa com este simples comentário. É surpreendente, mas muito bonito.
“Certamente, se vós tivésseis preferido um rei ou imperador a mim, eu consideraria isso uma injúria, e moveria o universo contra aquele Imperador porque ele teria roubado o Duque Guilherme de mim.”
Esta é uma excelente maneira de elogiar o Duque Guilherme: ele valeu uma guerra mundial.
“Mas não posso evitar que vós deixeis meu exército para vos tornar um soldado do Rei dos Anjos. Eu não posso fazer isto.”
O Imperador entendeu perfeitamente o que ele estava dizendo com as palavras o Rei dos Anjos, porque os Anjos constituem o exército de Deus. Ele não poderia proibir o Duque de deixar o exército de homens para entrar no exército de Deus. Ninguém pode fazer isso. Nem mesmo Carlos Magno.
“Dou-vos minha permissão, então, para ir. Peço-vos apenas uma coisa: aceiteis um presente como uma memória de minha amizade.”
Dito isso, ele abraçou o Duque Guilherme pelo pescoço e chorou amargamente. Vendo o Imperador chorar, o duque também se derreteu em lágrimas.
Vocês veem como isso é nobre. Carlos Magno, homem que conquistou muitos povos sem medo nem lágrimas, chorou na hora de se separar de um general que o ajudara a conquistar aqueles povos. O Duque também derramou lágrimas.
Esta cena é muito masculina e sem qualquer egoísmo. O egoísta, vendo o Imperador chorar, ficaria satisfeito. Ele olharia para os outros na sala e pensaria: “Vocês estão notando isso? O Imperador está chorando por mim. O Imperador reconhece meu valor, e vocês, não.” O egoísta seria incapaz de derramar lágrimas neste momento.
Os homens medievais choravam muito. Quem pensa que o medieval foi um calvinista frio está completamente enganado. Ele teve a coragem de enfrentar a tristeza e a dor, mas não tinha vergonha de chorar quando as lágrimas eram apropriadas.
Mas, reunindo suas forças, ele disse ao Imperador: "Vossa Alteza …” Aqui há uma pequena imprecisão. Naquela época, o Imperador e os Reis não eram chamados de Vossa Alteza ou Vossa Majestade porque o título de majestade era reservado exclusivamente para Deus.
“Vossa Alteza deve parar de chorar, assim como este vosso servo. Se eu tivesse previsto essas lágrimas, confesso que teria fugido sem nem mesmo cumprimentá-lo.”
Ele não está dizendo que não serviria a Deus para impedir que Carlos Magno chorasse. Sua posição é diferente: “Quer isso vos cause sofrimento ou não, eu pertenço a Deus. Mas eu teria evitado essa cena que vos causa tanta emoção na velhice. Eu simplesmente teria fugido para o mosteiro.”
“Agora, meu Senhor, para o bem maior de nós dois, enviai-me ao nosso Senhor comum, não com tristeza, mas com alegria cristã.”
Quer dizer: “Que não é hora de ficar triste. Enviai-me Àquele que é tanto teu Senhor quanto meu.”
São Guilherme, agora um monge, retornando ao Mosteiro depois de levar comida e água para os trabalhadores |
“Quanto aos tesouros que me oferecestes, vos agradeço, mas desejo abraçar a pobreza de Nosso Senhor Jesus Cristo. E se eu escolhi deixar tudo o que me pertenceu, como poderia pegar o que é vosso? Porém, se vós realmente desejais oferecer algo em minha pessoa a Deus, então vos peço uma parte da Santa Cruz que vós recebestes em Jerusalém no dia em que eu vos acompanhei.”
O Duque Guilherme só quer um pedaço da Santa Cruz como pagamento por uma vida inteira de batalhas e obras. Nenhum tesouro, apenas a Santa Cruz.
E o bom Imperador Carlos, embora fosse muito apegado àquela preciosa relíquia, imediatamente a deu ao bom Duque Guilherme como garantia de sua amizade perpétua, mais duradoura que a vida e mais forte que a morte.
O bom Imperador e o bom Duque Guilherme: Que atmosfera! Que situação! Então, os dois se separaram e concordaram que só se encontrariam novamente no Céu. Palavras humanas não são mais suficientes; seu objetivo é o Céu, Deus.
Ora, um humilde monge, o Duque, montado num burro e vestido apenas com uma túnica simples, levava comida aos trabalhadores dos campos do mosteiro de Gellone, que fundara em 804.
Só observo aqui que esses trabalhadores eram também principalmente monges.
Hoje ele é conhecido como São Guilherme de Gellone.
São Guilherme de Gellone, rogai por nós. Faça-nos vos admirar. Não há mais nada a dizer.
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Prof. Plinio Corrêa de Oliveira | | A secção Santo do Dia apresenta trechos escolhidos das vidas dos santos baseada em comentários feitos pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Seguindo o exemplo de São João Bosco que costumava fazer comentários semelhantes para os meninos de seu Oratório, cada noite Prof. Plinio costumava fazer um breve comentário sobre a vida dos santos em uma reunião para os jovens para encorajá-los na prática da virtude e amor à Igreja Católica. TIA do Brasil pensa que seus leitores poderiam se beneficiar desses valiosos comentários.
Os textos das fichas bibliográficas e dos comentários vêm de notas pessoais tomadas por Atila S. Guimarães de 1964 até 1995. Uma vez que a fonte é um caderno de notas, é possível que por vezes os dados bibliográficos transcritos aqui não sigam rigorosamente o texto original lido pelo Prof. Plinio. Os comentários foram também resumidos e adaptados aos leitores do website de TIA do Brasil.
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