Seleção Biográfica:
Para a Igreja, o século 16 foi uma época dolorosa. O renascimento do paganismo, a propagação do protestantismo e depois o jansenismo devastaram a Europa católica, enquanto o islamismo se tornou um perigo arrogante e ameaçador. Em Golkun, Holanda, 40 católicos foram martirizados; na Inglaterra, São João Fisher e São Thomas More foram decapitados, e o Bem-aventurado Inácio de Azevedo, junto com seus 39 bem-aventurados companheiros, foram massacrados pelos calvinistas a caminho do Brasil.
São Francisco de Bórgia, como Geral dos Jesuítas
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Para remediar tantos males, a Divina Providência levantou santos por toda a Europa. Na Espanha, Santo Inácio de Loyola, São Francisco Xavier, São João da Cruz, Santa Teresa de Ávila, São Pedro de Alcântara, São Pascal Bailão e São Tomás de Villanova realizaram reformas espirituais que abrangeram toda a Cristandade. Outros, como São Carlos Borromeu, São Felipe Neri, São Pedro Canísio, São Francisco de Paula, São Jerônimo Emiliano e o grande São Pio V jorraram luzes sobre a Cristandade em sua luta contra as trevas da heresia.
Durante aquele século tempestuoso, São Francisco de Borja brilhou por sua nobreza, virtude e combatividade na Espanha Católica. Ele nasceu em Valência em uma família de sangue real que estava relacionada às principais casas reinantes da Europa, incluindo a do Imperador Carlos V. Quando Francisco de Borja entrou em seu serviço e foi à corte aos 17 anos, o Imperador ficou muito impressionado com seu comportamento nobre e modesto que decidiu manter Francisco sempre ao seu lado. Carlos V manteve essa admirável amizade por toda a vida.
Depois de ficar viúvo, no entanto, Francisco de Borja tomou a decisão de entrar na Companhia de Jesus. Santo Inácio o aconselhou a pedir permissão ao Imperador. Como Carlos V estava na Holanda, Francisco lhe endereçou uma carta. O Imperador respondeu com estas palavras:
“Lamento muito perder a companhia de um homem por seus méritos, uma luz brilhando no conselho, um modelo no exercício dos mais altos cargos de Estado e, por sua virtude e piedade, um fator de edificação para todos os meus Conselhos. Mas reconheço que não seria razoável discutir sobre a sua pessoa com o Mestre que você escolheu para servir. É, portanto, com pesar que concedo a permissão que está solicitando. Eu o autorizo a renunciar a seus feudos e títulos em favor de seu filho primogênito.
“O número daqueles que te invejarão será maior do que aqueles que te imitarão, pois é fácil admirar belos exemplos, mas difícil segui-los. Recomendo-me às tuas orações e conto contigo para atrair bênçãos divinas sobre mim, meus Estados e toda a Cristandade.”
Santo Inácio de Loyola recebe São Francisco de Bórgia como Duque de Gandia
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Depois de exercer o cargo de Superior da Companhia de Jesus na Espanha, Portugal e nas Índias Ocidentais, São Francisco de Borja foi eleito o terceiro Geral da Ordem quando o Pe. Laynes morreu em 1560.
Uma das primeiras tarefas que enfrentou foi refutar e combater as calúnias que os luteranos e outros inimigos da Igreja estavam espalhando sobre a Companhia de Jesus na tentativa de levá-la à ruína.
Eles tentavam estimular a dissensão entre a Ordem Dominicana e a Companhia de Jesus. Quando o Cardeal Alessandrini, um Dominicano, foi eleito Papa, um membro do Colégio dos Cardeais tentou influenciá-lo a suprimir os Jesuítas. São Pio V respondeu:
“Deus me proteja de tão grande pecado. O Senhor deseja usar esses sacerdotes para sua glória. Sua Companhia é chamada a produzir grandes frutos para a Igreja.”
No dia seguinte, São Pio V seria coroado Sumo Pontífice na cerimônia solene na Basílica de São João de Latrão. Ele foi carregado na cadeira gestatória seguido por todos os dignitários da Corte Romana. Uma enorme multidão enchia as ruas. Quando o cortejo chegou em frente à Casa da Companhia de Jesus, o Papa ordenou que parasse. São Pio V chamou São Francisco de Borja, que se aproximou respeitosamente.
O Papa o abraçou e ofereceu sua amizade e apoio para tudo que ele precisasse. Agradeceu-lhe também o serviço que a Ordem já havia prestado à Igreja e manifestou o seu mais caloroso desejo de ver os seus membros trabalharem para a glória de Deus e a salvação das almas. O cortejo então continuou seu caminho.
Comentários do Prof. Plinio:
Esta seleção tem duas partes distintas. A primeira é uma breve descrição da vida de São Francisco de Bórgia quando era leigo, e a segunda apresenta um episódio de seu governo como Geral da Companhia de Jesus.
O Imperador Carlos V, o monarca mais poderoso da época
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Para avaliar os dados biográficos desta seleção, é necessário considerar o panorama geral da época. Seu Soberano era Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano Alemão. Foi Imperador, bem como Rei da Hungria, Rei da Boêmia, Senhor de numerosos territórios italianos e Rei da Espanha e, portanto, das colônias espanholas disseminadas por todo o mundo.
Foi nessa época que se tornou comum dizer que o sol nunca se punha em seu Império. Ou seja, quando o sol estava nascendo em uma parte de seu Império, a noite ainda não havia caído em outra. Sempre havia luz do dia nos domínios de seu Império.
Ele foi um dos monarcas mais poderosos da história. O século 16 certamente já era um século decadente em comparação com a Idade Média, mas não estava tão distante daqueles séculos benditos, e muitos de seus valores ainda estavam vivos naquela época. Um desses valores era que as pessoas ainda apreciavam a justiça mais do que o poder. Era geralmente reconhecido que Carlos V, como Imperador, merecia a maior honra e reverência. O Imperador do Sacro Império Romano era considerado o chefe natural de toda a Cristandade, superior a todos os Reis. Acima dele estava apenas o Papa.
São Francisco de Borja era um homem de alta linhagem, descendente de uma família real que reinou sobre Valência. Os diferentes reinos da Espanha uniram-se para enfrentar a invasão dos mouros e, embora muitas dessas famílias reais não tivessem mais tronos, ainda eram muito consideradas. São Francisco de Borja era descendente de uma dessas famílias, que ainda possuía feudos. Sua situação era semelhante à de um príncipe.
Acima, o nobre Duque de Gandia e Mmarquês de Lombay; abaixo, o Geral Jesuíta
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Quando jovem, ele foi enviado para a corte de Carlos V. Por ser a mais alta corte do mundo, atraiu inúmeros homens de valor: nobres, personagens, artistas famosos, magnatas financeiros, diplomatas de renome e brilhantes oficiais militares. Foi um ponto de encontro para o melhor da Europa.
Acima deles estava o Imperador, que governou com sucesso seus numerosos reinos. Nesse cenário extraordinário, entrou um adolescente de 17 anos. Ele era tão notável que atraiu a atenção do Imperador. Ou seja, ele se avultou entre os incontáveis príncipes e homens destacados que ali disputavam a atenção do Imperador.
A seleção nos diz que ele era muito nobre e modesto, o que significa que possuía uma grande superioridade e dignidade nos modos. Não devemos pensar em modesto no sentido moderno do termo, como uma descrição de um homem que está tentando fugir da vida social. Em vez disso, a palavra manteria seu significado antiquado, vindo de modus – ou seja, alguém que tinha maneiras distintas e reservadas em seu modo de ser.
A santidade de São Francisco de Borja atraiu tanto o Imperador que ele o queria sempre por perto para aconselhá-lo. São Francisco era Duque de Gandia, que governou. Ele se casou e fundou uma grande família com muitos descendentes. Ou seja, ele tinha muitos assuntos temporais para tratar diariamente.
Em 1539, a esposa de Carlos V, a Imperatriz Isabel, foi acometida de febre e morreu. Como Marquês de Lombay, Francisco de Borja foi obrigado a chefiar o cortejo fúnebre para Granada, onde uma Missa de Réquiem foi cantada e a identificação oficial do corpo foi feita antes do enterro. Quando Francisco abriu o caixão e tirou o pano do rosto da Imperatriz morta, o cadáver já havia começado a se deteriorar. Esta visão causou uma forte impressão em São Francisco de Borja, que percebeu a futilidade de todas as glórias do mundo. Ele resolveu abandoná-los e pedir a Santo Inácio para entrar na Companhia de Jesus.
Uma condição que Santo Inácio fez foi que ele deveria obter a permissão do Imperador. Então Carlos V escreveu para ele a bela carta que acabamos de ler. É um grande elogio a São Francisco de Borja, que terminou com a frase que expressa bem o espírito da época: muitas pessoas irão admirá-lo, mas poucos irão segui-lo.
Isso explica a diferença entre aquela época e a Idade Média. Na Idade Média, muitos admiraram os bons exemplos e muitos os seguiram. Na época de Carlos V, muitos admiravam os bons exemplos e poucos os seguiam. Hoje os bons exemplos não são admirados nem seguidos. Temos aqui as diferentes etapas da Revolução.
São Francisco de Borja entrou na Companhia de Jesus e tornou-se seu Geral. Havia rivalidade entre as duas Ordens: os dominicanos e os jesuítas. Os inimigos da Igreja estavam interessados em destruir a Companhia de Jesus por causa de sua combatividade mais zelosa contra os protestantes. Assim, eles estimularam boatos e calúnias que se espalharam contra os jesuítas. Quando São Pio V, um dominicano, foi eleito Papa, esses mesmos inimigos encontraram maneiras de influenciar os eclesiásticos do Vaticano, que imediatamente tentaram manobrar o novo Papa para fechar os jesuítas. Em vez disso, São Pio V planejou uma maneira de fazer o oposto, para conferir maior prestígio à essa Ordem.
Os senhores sabem que até Paulo VI, os Papas usavam a Cadeira Gestatória (conhecida como Sedia ou Sede Gestatória), que era um trono portátil do Papa carregado nos ombros de uma dúzia de homens para que o Pontífice pudesse ser visto por todo o público. Esse costume, que começou nos primeiros dias da Igreja, foi enriquecido com o passar do tempo com um cortejo cerimonial e trombetas.
A Igreja de Gesù em Roma fica ao lado da Casa Geral da Sociedade
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São Pio V resolveu quebrar o protocolo há muito estabelecido do cortejo da coroação. Ele o fez, interrompendo a procissão em frente à Casa dos Jesuítas e chamando São Francisco de Borja, que provavelmente estava do lado de fora com os outros diretores da Companhia de Jesus, esperando a passagem do Papa.
Dá para imaginar a cena: São Pio V, um homem que fora inquisidor, alto, magro, com um nariz grande e pontudo como o de uma águia, já avançado em anos, sublime, aproximando-se da fase mais alta de sua vida na qual brilharia com força como o Papa militante que quebrou o poder muçulmano na batalha de Lepanto.
São Francisco de Borja, Geral da Companhia de Jesus, com ar de grand-seigneur com sua batina de jesuíta. São Francisco de Borja aproximou-se do Pontífice com respeito e admiração, venerando o Santo que Deus enviou ao mundo para ser o Papa da Igreja. Ele se ajoelhou diante dele e São Pio V se abaixou para abraçá-lo. Em seguida, eles trocaram algumas palavras.
São Pio V disse que amava a Companhia de Jesus de todo o coração, que desejava todo o bem para os seus sacerdotes e que se considerava seu protetor. Seu único desejo era que a Companhia de Jesus lutasse pela glória de Deus. São Francisco de Borja agradeceu ao Papa e prometeu a fidelidade total da Ordem a São Pio V e ao Papado.
Então o cortejo continuou. São Francisco de Borja e seus Jesuítas entraram na Igreja de Gesù, ao lado da casa dos jesuítas em Roma, para fazer um ato de ação de graças perante o Santíssimo Sacramento. Que esplendor, que perfume primoroso emana do encontro daqueles dois santos!
Penso que é legítimo desviarmos os olhos da época contemporânea - cheia de corrupção e traição - para terminar o dia admirando o encontro daqueles dois santos. Esse encontro, as palavras que trocaram e a admiração mútua de um pelo outro expressam algo da felicidade suprema que teremos no Céu.
Peçamos a São Francisco de Borja que nos dê seu espírito católico, que impressionou a todos em sua vida, inclusive o Imperador Carlos V, e sua dedicação ao Papado, que foi a principal característica da Companhia de Jesus em seus primeiros tempos.
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Prof. Plinio Corrêa de Oliveira | | A seção Santo do Dia apresenta trechos escolhidos das vidas dos santos baseada em comentários feitos pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Seguindo o exemplo de São João Bosco que costumava fazer comentários semelhantes para os meninos de seu Oratório, cada noite Prof. Plinio costumava fazer um breve comentário sobre a vida dos santos em uma reunião para os jovens para encorajá-los na prática da virtude e amor à Igreja Católica. TIA do Brasil pensa que seus leitores poderiam se beneficiar desses valiosos comentários.
Os textos das fichas bibliográficas e dos comentários vêm de notas pessoais tomadas por Atila S. Guimarães de 1964 até 1995. Uma vez que a fonte é um caderno de notas, é possível que por vezes os dados bibliográficos transcritos aqui não sigam rigorosamente o texto original lido pelo Prof. Plinio. Os comentários foram também resumidos e adaptados aos leitores do website de TIA do Brasil.
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