Seleção Biográfica:
São Willehad, Bispo e Confessor (735-789), foi o primeiro Bispo de Bremen, Diocese criada pelo Imperador Carlos Magno após sua reconquista dos Saxões. No ano de 788, dia 21 de seu reinado, Carlos Magno deu à nova Sé de São Willehad um documento escrito com estas palavras:
O Imperador Carlos Magno e São Willehad segurando a primeira Catedral de Bremen |
“Em nome de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, Carlos, pela vontade da Divina Providência, Rei.
“Com a ajuda do Deus dos exércitos, alcançamos a vitória em nossas guerras, e somente d’Ele recebemos nossa glória, e é d’Ele que esperamos felicidade e prosperidade neste mundo e uma recompensa eterna no próximo.
“Ave a todos os fiéis de Cristo! Saudações a todos os saxões salvos da obstinação de sua traição passada, aqueles que se rebelaram contra nossos ancestrais e por muito tempo se rebelaram contra nós e contra Deus, até que os conquistamos não pela nossa força, mas pela força da Cruz do Senhor.
“É da Sua misericórdia que recebemos a graça do Batismo, que lhes trouxemos, oferecendo-lhes a sua antiga liberdade e libertando-os de todos os tributos que nos são devidos. Por amor d’Aquele que nos deu a vitória, nós os declaramos nossos súditos.
“Visto que eles recusaram tal presente e o jugo de nosso poder, eles foram derrotados por nossas armas e pela Fé. Doravante, eles são obrigados a pagar a Nosso Senhor Jesus Cristo e Seus sacerdotes o dízimo de todos os seus animais, frutas e safras.”
Comentários do Prof. Plinio:
Esta seleção não nos fornece dados sobre a vida de São Willehad e nos obriga a comentar um decreto de Carlos Magno, o que é bastante incomum para uma meditação sobre a vida de um santo. Espero que minhas observações sobre este decreto favorecendo a Sé de São Willehad expressem de alguma forma o espírito do Santo. Também espero que as próximas seleções sejam menos parcimoniosas em dados sobre outros santos.
São Willehad, acima, construiu a Catedral de Bremen. Abaixo à direita, como está hoje.
|
A respeito desse decreto, é interessante notar a íntima relação entre o poder eclesiástico e o civil da época, e o cuidado que o poder civil tinha com o poder eclesiástico. Carlos Magno providenciou abundantemente para a Catedral de Bremen e para seu clero, a fim de promover a glória de Deus e a cristianização daqueles povos semi-pagãos.
Também é interessante observar que o Imperador listou seus motivos antes de anunciar o imposto. Ele descreveu como aquele povo saxão era pagão e havia sido conquistado por suas armas, referindo-se com isso ao seu direito de conquista.
Era um direito legítimo de conquista, já que os saxões eram muito agressivos, sempre invadindo as terras dos francos, recusando-se a reconhecer Carlos Magno como Rei legítimo, muitas vezes saqueando e vandalizando aldeias francas perto das fronteiras e, acima de tudo, tentando fazer com que essas cidades retornassem ao paganismo.
Em uma guerra que tinha características de cruzada, Carlos Magno invadiu suas terras em defesa da Religião Católica e os derrotou. Depois, ele foi além dos limites da Lei Natural ao dar aos saxões conquistados esta alternativa: ou creia ou morra.
Compreensivelmente, o número de batismos após sua vitória foi enorme. Naquela ocasião, tanto a água batismal quanto o sangue correram em torrentes. Mais tarde, o Papa o censurou por esta ação porque ninguém pode dar a uma pessoa tal alternativa - creia ou morra.
Digo que estou de acordo com o Papa e não com Carlos Magno; portanto, não considere meu próximo comentário como apoiando o Imperador neste assunto, porque eu não o considero. Mas muitos desses batismos forçados realmente terminaram bem, e as famílias desses homens permaneceram na Fé Católica, perseverando nela por séculos. Ou seja, forçar aqueles homens a se batizarem foi um abuso e não foi bom, mas deu bons frutos.
Em seu decreto, Carlos Magno passou a mostrar como os saxões se revoltaram muitas vezes e como ele teve de lutar e conquistá-los. Em outras palavras, ele poderia ter destruído completamente os saxões, já que eles eram um povo que sempre causava problemas para os francos, mas não o fez.
Ele poderia ter destruído completamente aquele povo, reduzindo-o à condição de escravos, o que era viável de acordo com as leis de guerra da época. Mas ele não fez. Em vez disso, ele exerceu misericórdia com eles. Ele os deixou retomar sua vida normal, exigindo apenas que prestassem uma homenagem à Igreja.
O batismo dos Saxões conquistados |
Quando digo que ele poderia ter destruído completamente aquele povo, não estou dizendo que ele poderia ter massacrado todos eles. Estou apenas dizendo que ele poderia ter ordenado a morte de muitos outros prisioneiros de guerra, algo bastante comum na época.
Mas ele poupou aqueles homens, ordenando-lhes que pagassem um tributo pela recém-construída Catedral de São Willehad na cidade de Bremen, em terras saxãs. Ao mesmo tempo, ele construiu fortalezas francas naquelas terras e intensificou a cristianização daquele povo.
Os senhores podem ver que Carlos Magno sabia como equilibrar justiça com misericórdia. Sua principal preocupação era honrar a adoração divina. Estabelecendo a verdadeira Religião e apoiando-a, oferecendo-lhe o alto prestígio de sua posição e utilizando os recursos materiais do Império para aumentar e expandir a Fé, criando condições para que a Igreja se enraizasse no povo saxão.
Isso foi muito bom para eles. Eles podiam deixar seus caminhos bárbaros e progredir livremente no caminho da cultura e da civilização cristã: a Alemanha medieval veio em grande parte desse povo convertido por Carlos Magno. E a posição geral de Carlos Magno, que é o pano de fundo para este decreto, foi muito sábia e boa.
Também é muito bonito ver que o Imperador atribui todas as suas vitórias a Deus. Ele diz ‘vencemos pela graça e ajuda de Deus.’ É uma forma de reconhecer que ele foi um instrumento de Deus. Sem Deus, ele teria perdido a guerra.
Todas essas ideias - o papel do Imperador na História perante os povos pagãos, seu papel como distribuidor da justiça e da misericórdia em nome de Deus na ordem temporal, seu papel de braço direito da Igreja na ordem temporal - estão contidas nas primeiras palavras do decreto: “Em nome de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, Carlos, pela vontade da Divina Providência, Rei.”
Isso significa que ele entendeu perfeitamente que todo o seu poder vinha do alto: “Carlos, pela vontade da Divina Providência, Rei.” É um título belíssimo que parece ser acompanhado pelas canções dos anjos e pelo som dos sinos das igrejas, num cenário com os esplendores da natureza e luzes extraordinárias no céu.
O selo do primeiro Bispo de Bremen |
Ele era Rei porque a Divina Providência assim o desejava; Deus queria que ele fosse Seu representante na esfera temporal e servisse à Santa Igreja Católica em todas as coisas em que a Igreja depende da ordem civil.
Esta é a essência do título. Brilha com uma plenitude de sacralidade, porque sacralidade é isso, reconhecer a Providência Divina como fundamento de tudo.
Esses comentários têm algo a ver com a vida de São Willehad? Espero que sim, porque São Willehad é para essas provisões feitas por Carlos Magno como a flor é para o vaso. Se se pegar um vaso magnífico, ele só alcançará seu propósito completo quando segurar uma flor.
Um vaso sem flor é como um órfão. Ela atinge seu fim último quando uma flor ou um buquê inteiro de flores é colocado nela. Com isso, a obra de arte do homem - o vaso - recebe a obra de arte de Deus na natureza - a flor.
São Willehad era a flor daquele vaso. O Imperador, a catedral, a diocese nunca teriam alcançado sua plenitude sem o Santo. Quando São Willehad havia concordado em ser o primeiro Bispo de Bremen, tudo se encaixou e o perfume de sua santidade se difundiu por aquele povo. Todas as coisas materiais são belas, nobres e seguem o desígnio da Divina Providência na medida em que servem à influência da santidade.
Assim, podemos imaginar Bremen com sua nova catedral, fileiras de saxões convertidos dispostos a pagar seu dízimo para manter adequadamente o edifício sagrado e o culto divino. Podemos imaginar o coro cantando na catedral. Reinando sobre todas essas belezas em sua cadeira episcopal está São Willehad, um Santo Bispo, um representante de Deus ainda maior que o Imperador, porque representou Deus como um Bispo e um Santo.
Esta imagem nos ajuda a imaginar o papel de São Willehad naquela fase inicial da Cristandade, naquele ambiente preparado pelo zelo de Carlos Magno. Santo Willehad era a flor, dele vinha o perfume, dele vinha o encanto da vida sobrenatural, a graça que ajudava a manter e aumentar o espírito católico daquele povo.
Peçamos a São Willehad que nos ajude a reconstruir e manter uma nova Cristandade nestes tempos que são muito piores que os dele.
|
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira | | A seção Santo do Dia apresenta trechos escolhidos das vidas dos santos baseada em comentários feitos pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Seguindo o exemplo de São João Bosco que costumava fazer comentários semelhantes para os meninos de seu Oratório, cada noite Prof. Plinio costumava fazer um breve comentário sobre a vida dos santos em uma reunião para os jovens para encorajá-los na prática da virtude e amor à Igreja Católica. TIA do Brasil pensa que seus leitores poderiam se beneficiar desses valiosos comentários.
Os textos das fichas bibliográficas e dos comentários vêm de notas pessoais tomadas por Atila S. Guimarães de 1964 até 1995. Uma vez que a fonte é um caderno de notas, é possível que por vezes os dados bibliográficos transcritos aqui não sigam rigorosamente o texto original lido pelo Prof. Plinio. Os comentários foram também resumidos e adaptados aos leitores do website de TIA do Brasil.
|